Conhecendo o Paraná: A miscigenação paranaense

 

indio paraná
Até meados do século XVII, o Paraná era território guarani.

Por Alison Henrique Machado*

 

[no Paraná] a erva-mate teve uma participação importante na fixação das colônias de neo-europeus, principalmente italianos, poloneses e ucranianos, oriundos da grande imigração estrangeira (…), assegurando a sobrevivência de muitas delas que de outro modo (…), teriam fracassado. Nas regiões de extração do mate, o imigrante se fez ervateiro, afeiçoado ao uso diário do chimarrão, do churrasco e dos costumes campestres. Foi mais influenciado, do que influenciou. (COSTA, p. 86)

 

Os imigrantes aprenderam a técnica extrativista da erva-mate com os índios, mas por vezes o Movimento O Sul é o Meu País é criticado por pseudo especialistas com a sentença de que os sulistas, com suas etnias europeias, oprimiram os nativos índios americanos, cultural e territorialmente, como se propusessem criar uma pátria indígena e extirpar os miscigenados sendo que, na verdade, quem realmente acolheram os imigrantes foram justamente os diferentes povos indígenas — “somos consequências de cujas causas não podemos ser acusados”. O grande opressor dos inúmeros povos que no Sul habitaram (habitam) é o Governo imperial/federal da América Portuguesa.

Sabe-se que o Brazil tem o dom de recontar a história para dela beneficiar-se. Com os índios não foi diferente. O Brazil, ao recontar a história indígena, criou um personagem autista, egoísta e xenofóbico — totalmente o oposto do solidário índio. Aliás, é errôneo citar o índio no singular pois, assim como o europeu tem várias raças, o índio também tem.

Outrora o território paranaense — e inclui o atual planalto catarinense — foi um campo de rivalidades e batalhas. Os principais imigrantes foram os eslavos (poloneses e ucranianos), italianos e alemães. Fugindo de perseguições e guerras na Europa, buscaram reassentamento no Sul para viverem com dignidade. No entanto, seus países estavam em guerras, e trouxeram consigo a rivalidade via oceano. Ao mesmo tempo, os diversos povos indígenas se opuseram contra os imigrantes, assim como havia rivalidade entre os próprios índios.

Até meados do século XVII, o Paraná era território guarani. Com o ataque dos bandeirantes-paulistas (miscigenados com os rivais tupis), os guaranis que sobreviveram, fugiram com os jesuítas para a Argentina e Rio Grande do Sul — e ajudaram a fundar os Sete Povos das Missões — e então o Sul, do Paranapanema ao Uruguai, foi anexado à Coroa Portuguesa. A partir do êxodo, diversos povos indígenas migraram para Guairá (Paraná), marcando e disputando território, na qual os caingangues predominaram, atacando até os tropeiros curitibanos nos Campos de Guarapuava e de Palmas — apesar que os índios também eram tropeiros, pois todos podiam ser, de escravo a barão.

O processo histórico brotou o sentimento de pertencimento a terra… A terra das araucárias, do mate e do frio. A partir do bairrismo, os rivais tornaram-se conterrâneos. Pode-se citar dois fatores importantes na construção do sulista miscigenado: o desenvolvimento cultural e a opressão do Governo.

 

Desenvolvimento cultural

Mais de 1/5 do território paranaense era formado por Faxinais — além dos que não foram identificados — também conhecido como “terras de criar”. Trata-se de uma cultura camponesa genuinamente paranaense, moldada ao longo da história e tradição, sob influência das missões jesuíticas, do tropeirismo, do Contestado e o monge João Maria, e, ecologicamente, pela Mata de Araucárias, tendo como grande pilar o ciclo secular da erva-mate. Os Faxinais foram miscigenados principalmente pelos eslavos (ucranianos e poloneses), índios (caingangues), afrodescendentes e caboclos.

Os Faxinais são sistemas únicos, com autonomia espontânea, onde prevalece o sentimento de liberdade e virtude. A lida é composta pelo tripé agrosilvipastoril: a mata de pinheirais é patrimônio da comunidade faxinal, ou seja, todos podem explorar, principalmente no outono/inverno, período de escassez alimentar na floresta, na qual a extração da erva-mate e coleta de pinhão são o sustentáculo; o criadouro é comunitário, portanto, os animais ficam juntos e misturados, soltos na floresta e alimentando-se dela, e ninguém rouba o animal alheio; a agricultura é caracterizada pela policultura familiar, com cultivo de plantas medicinais — conhecimento arcaico que atualmente as indústrias farmacêuticas privaram do povo, diga-se de passagem.

O puxirão — traduzido como mutirão — é quando alguma família precisa de mão de obra como capinar, colher, etc. As demais famílias ajudam e, no fim do dia, uma festa simboliza gratidão ao som de vanera, vanerão, xote, entre outros ritmos gauchescos;  comidas eslavas e tropeiras — meus familiares, que já viveram num extinto e desconhecido faxinal, na Serra do Cadeado, comentaram que não havia necessidade de ser convidado para o puxirão, pois as demais famílias que se ofereciam, e era divertido, todos gostavam.

Com o desmatamento dos Pinheirais, os Faxinais quase entraram em extinção. Alguns Faxinais ainda existem nos remanescentes. Apenas 1% resta do bioma das araucárias, e o Governo não tem a mínima intensão de reflorestar.

 

Contestado

Considera a maior guerra civil do Brazil, e a terceira maior revolta camponesa na história da humanidade, a Guerra Santa, escamoteada pelo nome Contestado, foi um duro golpe do Governo federal contra seu próprio povo meridional (do Paraná e Santa Catarina).

Com o propósito de construir a ferrovia São Paulo-Rio Grande e, posteriormente, explorar toda riqueza madeireira do bioma das araucárias, o Governo decretou a desapropriação imediata dos sertanejos (aqueles que viviam no sertão, ou seja, no interior). A ordem era para que saíssem com a roupa do corpo, não podiam nem preparar a mudança, e o Governo não se importou para onde que buscariam reassentamento. Como os sertanejos (posseiros) não saíram de imediato, foram atacados pelo exército brazileiro e pela própria empresa norte-americana que ganhara as terras para exportação madeireira. Fuzilaram crianças, mulheres e idosos, sem dó e piedade. A consequência foi a guerra armada da gente simples do sertão, sob liderança do monge José Maria, contra as forças armadas do exército brazileiro que ainda uniu as tropas do Paraná e de Santa Catarina.

Mas quem eram os sertanejos (posseiros ou caboclos, como são chamados)? O sertão era um caldeirão de povos que praticavam agricultura de subsistência e extrativismo da erva-mate — eram os Faxinais propriamente dito em sua formação gradual:

  • sobreviventes de revoltas indígenas;
  • sobreviventes das guerras dos Farrapos e Federalista;
  • afrodescendentes alforriados e abandonados;
  • tropeiros desempregados;
  • imigrantes, principalmente poloneses, ucranianos e alemães, que, objetivando reassentamento no Sul, foram abandonados a própria sorte pelas falsas promessas do Governo;
  • imigrantes italianos e alemães que, com o término da ferrovia, foram desempregados e desapropriados, unindo-se aos demais sertanejos.

 

A guerra armada durou quatro anos e foi declarada como encerrada em 1916, e os sertanejos perderam. No ano seguinte o exército continuou extirpando os sobreviventes para evitar uma retomada. Perseguiram nas regiões ribeiras com araucárias e grutas (a gruta foi santificada pelos três monges). Foi o início do fim do bioma Mata de Araucárias e do ser cultural que nele se formara.

O povo do Paraná, de modo geral, tem a personalidade reservada. É uma herança hereditária e históricocultural, dos povos rivais que fraternalmente tornaram-se conterrâneos. Seja em Curitiba ou Maringá, ao mesmo tempo que o povo é anti-social, é solidário.

Mas para atender os interesses do Poder Central e causar a imagem de uma pátria angelical, criou-se uma pseudo história com índios autistas e neo- europeus opressores

 

*O autor é auxiliar da Superintendência do Paraná do Movimento O Sul é o Meu País

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